[Agradeço publicamente ao Sr. Comandante Victor Silva Fernandes a autorização para publicar o texto da sua autoria neste blogue]
Ota, é preciso coragem para reconhecer o erro.
Por Victor Silva Fernandes*
A decisão do governo em reiniciar o processo de construção do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL) na Ota, tem pelo menos, o condão de trazer a sociedade civil à discussão de assuntos que, pela sua importância estratégica para o País, não podem deixar os cidadãos resignados ou simplesmente indiferentes. Os deveres de cidadania tão pouco vulgarizados na nossa imberbe democracia, são aliás uma das grandes condicionantes à própria democracia.
A importância estratégica do Novo Aeroporto de Lisboa (NAL), deverá ser apreciada à luz de uma definição global do transporte aéreo e das infra-estruturas de comunicação terrestre e marítima e o governo deveria aproveitar este tempo para, em conjunto com os seus parceiros sociais e com as associações profissionais, traçar um rumo com vista à definição de um quadro global de requisitos estratégicos essenciais à modernização de Portugal.
Cabe ao governo apresentar aos portugueses as razões que pesaram na escolha da Ota para a construção do NAL. O que tem sido feito desde o governo do Eng.º Guterres e perpetuado pelo governo do Eng.º Sócrates não é mais do que a insistência de que já foram feitos os estudos necessários a essa tomada de posição, estudos esses que pecam por analisar apenas o factor do impacte ambiental, perante uma única alternativa: Rio Frio. Ora, essa política é manifestamente insuficiente, uma vez que se esqueceram por completo, não só as outras alternativas, como as outras condicionantes, nomeadamente, as operacionais, a segurança aérea, a orografia (e a hidrografia) do terreno, o entrosamento com o TGV e com os portos de Lisboa e de Sines, os custos de construção, os efeitos sobre o turismo de curta estadia, de congressos e de negócios, a interligação à plataforma inter modal do Poceirão, a capacidade de expansão, os efeitos sócio-económicos, os efeitos sobre as companhias aéreas e custos de utilização, os efeitos estratégicos da influência do NAL sobre os aeroportos nacionais e espanhóis, etc.
O país não pode continuar a ser “uma manta de retalhos”, governado sem visão estratégica, sucessivamente remendado, ao sabor de interesses sectoriais ou conjunturais. A decisão de localizar o NAL na margem direita do rio Tejo enferma de graves restrições.
É verdade que o aeroporto de Heathrow cabe na área destinada à Ota, mas também não é menos verdade que os Ingleses tiveram que reabrir o aeroporto para voos nocturnos por incapacidade de construção de outra pista! A opção Ota é, em minha opinião, um erro estratégico e parece-me cada vez mais limitada: a começar pela orografia do terreno e pela mancha urbanística, para não falar dos já existentes e gigantescos depósitos de combustível, que ficarão localizados praticamente no enfiamento das novas pistas; pelos lençóis freáticos que se estendem desde a Vala do Archino a Nordeste e pelas várzeas (Moios e Morraçais), onde correm quase uma dezena de ribeiras, sendo as mais importantes a Vala do Meio, o Rio Ferragudo e o próprio Rio da Ota. Toda esta zona que, calculo, ocupará mais de 1000 ha e onde estava planeada a construção da infra-estrutura aeroportuária fica, nos invernos mais rigorosos, sistematicamente debaixo de um lençol de água. As questões de engenharia embora parecendo ser um tanto complexas não deverão apresentar grandes dificuldades, (o grande problema serão os custos!) a uma cada vez mais experiente classe de profissionais, com provas dadas em Macau e na Madeira. Parece que a nossa sina é a construção de aeroportos sobre planos líquidos...
A orografia do terreno e a legislação aplicável à construção de novas pistas e aeroportos, tal como vem definida no Anexo 14 da International Civil Aviation Organization (ICAO), impede a utilização da actual pista 35 pelo que o NAER optou por rodar o eixo das pistas para a direita. A localização de uma segunda pista paralela na Ota, partindo do pressuposto de que a primeira ficaria sensivelmente colocada onde se encontra a pista actual, significaria a construção dos caminhos de circulação e das infra-estruturas atrás citadas assente sobre terrenos humedecidos pelos cursos de água com todas as dificuldades e problemas inerentes aos condicionalismos hidrográficos que são do conhecimento de qualquer engenheiro civil.
É também obrigatório por lei, o estudo dos ventos predominantes para melhor se aquilatar sobre a orientação das pistas. Se bem me lembro o vento sopra predominantemente de quadrantes de Noroeste. Ora, com a rotação das pistas para Nor-nordeste o vento passaria a apresentar-se ainda menos enfiado com as pistas, prejudicando a performance dos aviões com os riscos operacionais acrescidos. O enquadramento orográfico da Base Aérea da Ota permite-nos perceber ainda que, quando a direcção das pistas em uso fosse Norte, (o que deveria acontecer, pelo menos em 75% dos dias do ano) as aeronaves que descolassem com destino aos Açores e às américas, devido à Serra de Montejunto, não poderiam efectuar uma volta imediata pela esquerda – o que seria óptimo para efeitos de escoamento de tráfego – mas teriam que ganhar altitude continuando para Norte ou então circundar o espaço aéreo adestrito ao aeroporto, pela direita – conflituando com o tráfego a chegar da Europa – para depois rumarem a Oeste ou Sudoeste. Para isso, deveriam rumar ainda mais a Sul ganhando altitude, de molde a evitarem o cruzamento do eixo de aproximação final para a pista em uso. Das duas uma, ou cruzavam a Norte da cidade de Lisboa, ou seguiriam ainda mais para Sul, para – já do lado esquerdo do Rio Tejo – poderem rumar para Oeste. Nestas circunstâncias continuaríamos a ter aviões a sobrevoar a cidade de Lisboa, a altitudes relativamente baixas. Por outro lado, para as mesmas pistas, as aproximações dos aviões provenientes do Atlântico, teriam que ser feitas também sobre a cidade de Lisboa – a não ser que as autoridades definissem rotas de aproximação que facilmente se adivinham como um autêntico serpentear entre os espaços aéreos restrictos da Base Aérea do Montijo e respectivas “Deltas”, da Base Aérea de Sintra e respectivas zonas de trabalho, da carreira de tiro de Alcochete e da Base Aérea de Monte Real, a base mais operacional da Força Aérea Portuguesa.
A nova lei do ruído, trouxe ainda outros factores de limitação, sendo que, devido à densidade populacional (que se adensará ainda mais) em toda a zona de implantação do projectado aeroporto da Ota, não vemos condições para que este possa vir a cumprir 24horas de serviço diário.
Contrariamente ao que pensam os defensores da Ota, o novo aeroporto não tem que ser construído no meio das regiões mais industrializadas ou de maior densidade populacional. Basta localizá-lo a cerca de meia-hora a quarenta minutos, em zonas desabitadas para se garantir a mais-valia da proximidade desejada. Barajas está a uma hora da cidade de Madrid e, que se saiba, não deixa de ser por isso um dos aeroportos mais movimentados da Europa. Convém, isso sim, dotar o país de vias de comunicação que permitam o acesso rápido e eficiente das pessoas e das empresas àquela infra-estrutura aeroportuária.
Como é sabido, são necessárias diariamente, muitas toneladas de petróleo para garantir a operacionalidade de um aeroporto internacional. Só a possibilidade de se poderem retirar centenas de auto-tanques das estradas portuguesas, através da construção de um oleoduto directamente do porto de Sines para o novo aeroporto, representaria um ganho enorme em segurança rodoviária. Basta olhar para o mapa, para nos apercebermos que a tarefa se tornaria muito mais simplificada, se o novo oleoduto não tiver que ir até à Ota.
E a Rota LISBOA – PORTO?
Qual o passageiro que, depois de fazer a viagem de Lisboa de automóvel ou de comboio, para a Ota se vai meter num avião até ao Porto? Acabar-se-ia assim com uma linha aérea de importância vital para a TAP, a SATA e a Portugália e para qualquer companhia aérea que queira explorar “rotas finas” – na medida em que o Porto, por si só, não consegue gerar tráfego suficiente para garantir voos directos para determinados destinos. Serve a ligação Lisboa-Porto para reduzir as despesas da colocação de aviões naquela base, para a partir daí garantir à cidade do Porto, ligações aéreas que, de outro modo se tornariam economicamente insuportáveis e prestando-se ao passageiro um melhor serviço, pois não tem que andar com a bagagem às costas de avião para comboio e vice-versa. O Aeroporto Sá Carneiro revelar-se-ia assim de importância estratégica na angariação de passageiros e de carga no norte do país e mesmo da Península Ibérica. A colocação do NAL, na outra margem do Tejo iria nivelar o Norte e o Sul sem lhes retirar as suas respectivas importâncias regionais, desobstruir os acessos Lisboa-Porto, requalificar estrategicamente Portugal como porta de comunicação para a Península Ibérica e para a Europa, dar novas oportunidades de negócio às companhias aéreas portuguesas (compensando-as do esforço suplementar de realojamento no NAL, o que está ainda por contabilizar) descentralizar a população da grande área de Lisboa, permitir a expansão futura do aeroporto, assim como o seu serviço H24, tornando o negócio aeronáutico mais atractivo às empresas e financiadores estrangeiros, etc.
Não faria muito mais sentido, “aproximar” o NAL de Espanha, marcando com essa medida a intenção de o tornar numa plataforma importantíssima de transferência de pessoas e de carga, simplificando o trajecto dos turistas espanhóis em demanda de destinos que são a nossa vocação para o novo aeroporto, retirando-se a necessidade da travessia do Rio Tejo? E já agora que vamos ter TGV, de que serve um comboio de alta velocidade que não chega a fazer dez minutos em velocidade de cruzeiro, (arranca de Badajoz e em menos de meia-hora já está em Évora, parte de Évora para logo ter que reduzir a velocidade para atravessar a ponte sobre o Tejo...e depois, já não vale a pena acelerar até à Ota, ou será a Lisboa (?) que fica logo ali...)? Um pouco à laia de conclusão, poderia dizer-se que ao TGV resta-lhe a perspectiva de vir a ganhar alguma mais-valia transformando-se num “feeder” do Novo Aeroporto de Lisboa. Por maioria de razão, a “aproximação” do aeroporto às terras de Espanha, não só, retiraria força estratégica a Madrid e ao desenvolvimento do aeroporto de Badajoz, como permitiria inclusive, o aliciamento dos “nuestros hermanos”, com a oferta de serviços conjugados do TGV com as transportadoras aéreas para destinos de longo curso, como por exemplo, o Brasil. Seria aliás brilhante, a utilização do TGV para potencializar o efeito Star Alliance e de uma vez por todas, tornar a TAP e Lisboa num Hub de distribuição de tráfego para a América Latina e para África. Mas para isso, num contexto de construção de um novo aeroporto, aquele terá que estar (tal como Lisboa) na rota directa do TGV! Geograficamente, isso só é possível com a sua construção na margem esquerda do Tejo!
O país precisa de tempo para pensar no futuro aeroporto de Lisboa. O país precisa de gente capaz de se distanciar dos interesses particulares em favor do interesse público. Gente capaz de ver o “big picture” e que pense na enorme oportunidade de entrosar o transporte aéreo, ferroviário, viário e marítimo como um todo. O NAL, o TGV, os portos de Lisboa e de Sines, têm hoje uma oportunidade de ouro para se conjugarem na criação de um sistema inter-modal de transportes, mas para isso o novo aeroporto e o TGV, têm que se encontrar na margem Sul.
Quem, como nós, voa por essa Europa fora e se apercebe do crescimento que começa, logo aqui às nossas portas com dois novos e imensos terminais em Barajas, com a decisão de um consórcio totalmente privado, em arrancar com um novo aeroporto, próximo (mas não no meio) de Madrid (Aeroporto Internacional de D. Quijote), da construção de uma nova pista em Barcelona, da abertura de Badajoz ao tráfego civil, não podemos deixar de pensar que a construção do Novo Aeroporto de Lisboa na Ota, em vez de servir os interesses do nosso país, vem ajudar os de Espanha, pois o seu “afastamento” do centro da Península Ibérica, terá um efeito dissuasor na obtenção e no encaminhamento de passageiros espanhóis via TGV para o Hub Lisboa, contrariamente a uma colocação em Alcochete (por exemplo) que reduziria em mais de quarenta minutos o trajecto do TGV entre a fronteira de Espanha e o Aeroporto.
A colocação do NAL do outro lado do Tejo, permitiria a entrada do TGV em Lisboa pela margem esquerda do rio e o trajecto Lisboa-Porto de novo pela margem esquerda, pelo menos até Santarém, com a consequente poupança de custos de construção. Já não seria necessária a construção de um comboio rápido para fazer a ligação (tal como foi prometido pelo ministro Mário Lino) em 17 minutos entre a Gare do Oriente e o Novo Aeroporto de Lisboa, pois poder-se-ia utilizar o próprio TGV, para ligar a cidade ao NAL em Alcochete.
Resumindo, o novo aeroporto em Alcochete significaria: maior segurança operacional e passiva, terrenos menos acidentados, áreas menos urbanizadas, sobreiros mais dispersos, custos de construção mais baratos, capacidade de expansão ilimitada, corredores aéreos menos congestionados, pistas paralelas com utilização não condicionada, ganhos sinergéticos e redução de custos na compatibilização com o TGV e com as vias de acesso já existentes, aumento do tráfego de passageiros, (não só por via de um novo feeder, o TGV, como da utilização optimizada das pistas), melhores acessibilidades, maior impacto e influencia positiva de Portugal pela criação de uma alternativa credível na Península Ibéria. Enfim, um aeroporto melhor, mais barato e com futuro!
A Ota é um erro estratégico! É preciso coragem para reconhecer o erro…
*Piloto Comandante de Linha Aérea
Sem comentários:
Enviar um comentário