sexta-feira, 27 de abril de 2007
"Caro Guterres" ou uma história de terror
(Nota de Gabriel O. G.: se eu tivesse que destacar a vermelho os pontos que me parecem importantes neste texto, todo o texto iria a vermelho. Sendo assim, vai a preto. É a cor do luto, por saber que quem manda não se preocupa minimamente com Portugal.)
CARTA ABERTA AO PRIMEIRO MINISTRO SOBRE O AEROPORTO (1999)
(Por António Brotas, Professor Jubilado do IST)
Caro Guterres,
Acho que lhe devo dizer que a construção do futuro aeroporto na Ota é uma decisão em absoluto errada, altamente gravosa para o país, o que com o tempo se tornará cada vez mais evidente.
Envio-lhe uma fotocópia da folha 30 D da Carta Geológica de Portugal com aindicação da implantação do aeroporto na Ota prevista pelos "Aeroport de Paris". Esta implantação obriga a uma movimentação de terras da ordem dos 50.000.000 de metros cúbicos (cerca de 5 vezes a actual movimentação de terras anual em todo o país).
Mas, os ADP, não notaram, ou não se importaram, com o facto da implantação indicada obrigar a canalizar, não unicamenter a Ribeira do Alvarinho, com uma bacia hidrográfica de 10 Km2, mas, também, a Ribeira da Ota com uma bacia hidrográfica muito maior. Esta obra, altamente contra indicada, obriga, se se insistir em construir o aeroporto na Ota, a construi-lo mais para Oeste, o que obriga a fazer uma movimentação de terras francamente maior.
Em qualquer caso, o aeroporto ficará um aeroporto acanhado, com duas pistas e sem qualquer possibilidades de expansão, o que é, de facto, confrangedor, quando se vê que está prevista a construção até uma 5ª pista do aeroporto de Barajas em Madrid, que poderá, assim, receber até 45 milhões de passageiros ano, estando já os espanhois a prever a sua duplicação ou a sua substituição por outro que permita receber 90 milhões.
Grande parte dos acessos e do próprio aereoporto, que ficará a uma cota de cerca de 30 m, terá de ser feita sobre lodos, argilas e areias argilosas do leito de ribeiras, com cotas de 5m, que terão de ser consolidadas, obra sempre delicada, antes de serem feitos os aterros. A autoestrada, por exemplo, ainda continua a ter assentamentos na zona em que passa sobre uma pequena ribeira antes do viaduto da Ota. Uma obra destas não deve ser construída sem sondagens muito cuidadas. Enquanto não são feitas, que se procure, ao menos, a informação existente, que mais não seja ao nível dos trabalhos da cadeira de Geologia dos alunos do 3º ano do Técnico.
Os acessos, rodoviários e ferroviários, que terão de entrar pelo Sul, são, de facto, um problema complicado, que poderá encarecer muito a obra.
Note-se, que não foi ainda indicado, e não se vê facilmente onde poderão ser construídos , os parques de estacionamento de automóveis, em absoluto necessários ao lado de um aeroporto, aparentemente neste caso esquecidos. Entre os 5 e os 30 metros nem sequer sabemos a que cota ficarão.
Não parece estar ainda quantificado o custo da duplicação da autoestrada, paralela e a oeste da actual, considerada necessária para assegurar o acesso ao aeroporto da Ota. Quem viajar para o Norte pela estrada actual e olhar para a esquerda e vir o relevo não poderá, no entanto, deixar de ficar impressionado com o que poderá custar.
Não refiro aqui outras questões relacionadas com a localização do novo aeroporto umas, porque exigem uma discussão ampla e aberta, que gostaria que viesse a ser feita nos meios universitários, outras, porque exigem estudos técnicos que, depois de feitos, devem ser sujeitos à crítica dos especialistas ou, pelo menos, de quem os entenda. São exemplo, os estudos sobre segurança aérea que incluem as questões relacionadas com ventos, nevoeiros e choques com aves - é impressionante a ligeireza e superficialidade com que vejo referir esta última questão, e usá-la como argumento sem apoio em dados ou estudos minimamente suficientes.
Limitei-me a apresentar elementos, que penso suficientes, para excluir, desde já, a localização na Ota. Quem não tiver esta opinião, o que tem a propor é a continuação dos estudos, da solução da Ota e da solução do RioFrio. Se, porventura, os estudos aprofundados da solução do Rio Frio, que tem, aliás variantes, vierem a desaconselhar esta solução, o que há a fazer é estudar outras soluções que o país, felizmente, tem outras possíveis.
O que não admissivel, é com estudos superficialmente referidos e mais do que insuficientes, eliminar desde já a solução Rio Frio e, deste modo, pretender fazer aceitar a solução da Ota, que tem os gravíssimos inconvenientes referidos no início desta carta, que ninguém rebateu.
O Guterres, como eu, é engenheiro. É Primeiro Ministro, mas o país é tanto meu como seu. Escrevi esta carta procurando usar uma linguagem de engenheiro. Mas, pode crer, sinto-me triste e inquieto ao ver hoje no título de um jornal, uma notícia que, a ser verdade, não tenho dúvida, prejudica e inferioriza muito o meu país.
Com as melhores saudações subscrevo-me (24/6/99)
António Brotas
G.O.G.:
E diz o Primeiro-Ministro José Sócrates que este Governo se tem limitado a continuar a opção delineada pelos outros Governos...Como se os outros Governos não tivessem sido avisados do erro monstruoso.
Mais textos do Professor António Brotas aqui:
http://sotextosmesmo.blogspot.com/2006/12/annio-brotas.html
http://sotextosmesmo.blogspot.com/2006/07/ota-e-tgv.html
http://psbelem.blogspot.com/search/label/Ota
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