quinta-feira, 17 de maio de 2007

Análise dos estudos/relatórios (parte 2)

Gabriel Órfão Gonçalves analisa todos os relatórios sobre o Novo Aeroporto, tal como disponibilizados ao público pela NAER. (Excepção feita a um ou outro relatório que a NAER, depois dos meus emails sem conta, insiste, hélas, em não tornar públicos.)

As preocupações ambientais já lá estavam!!!
Acordai, homens que dormis!...


TAMS / Profabril (Maio 1982)

Parte 1

O estudo foi feito pela norte-americana TAMS e pela portuguesa Profabril. Está integralmente escrito em inglês.

A primeira parte, tal como disponibilizada no site da NAER, tem o subtítulo “Preliminary Planning Study – Final Report. Volume 1”. Vai da p. 0-1 à 0-21.

A segunda parte, mais uma vez do site da NAER, comporta as p. 5-1 à 5-11. Entre as páginas 5-7 e 5-8 há uma página com uma tabela de decisão multi-critério (ou algo aproximado) que não está numerada.

Parece que, tal como disponibilizado no site da NAER, faltam páginas: entre a 0-21 da primeira parte do estudo e a 5-1 da segunda parte, pelo menos. Alguém saberá do seu paradeiro? Agradece-se informações.

P. 0-1
Diz-se que a ANA, em 1980, escolheu uma equipa de consultores profissionais para avaliar o estado da Portela. Nomeadamente, pretendia-se saber se Lisboa precisava de um novo aeroporto internacional, e em que condições (“why, when, where, how, and at what cost”).

P. 0-2 e 0-3
Diz-se que este estudo é organizado em 10 capítulos que compreendem 3 volumes.
O volume 1 seria introdutório. (“Principal findings anda recommendations”.)
O volume 2 conteria os capítulos 1-4. (Conteriam o inventário da Portela, a previsão de tráfego, e a avaliação da e recomendações para a Portela.)
O volume 3 conteria os capítulos 5-10. (Relativo só ao Novo Aeroporto Internacional.)
Ora, faltam capítulos no site da NAER. Basta dizer que a “parte 2” (nomenclatura da NAER) começa no cap. 5 (“Chapter 5 – Site selection”, p. 5-1) e antes não se dá por que haja outros capítulos prévios!...

P. 0-3
Começa a parte introdutória (“Principal findings”)

P. 0-5
Alguns dados importantes sobre a Portela: a elevação da Portela é de 114 m acima do nível médio do mar. A área do aeroporto é de aproximadamente 516 ha. Abriu ao público em Outubro de 1942.

Há duas pistas:
03/21, com 3805 m de comprimento
18/36 (atenção: actual 17/35, devido à rotação magnética polar terrestre), com 2400 m

O relatório chama a atenção para o facto de não haver saídas rápidas (situação actualmente colmatada), nem haver uma pista de acesso (“taxiway”) a todo o comprimento da 03/21 (ainda hoje é assim):
«The major constraining element is the absence of a parallel taxiway on the east side of Runway 21. This deficiency cause delays for landing and operating aircraft, who must wait for taxiing aircraft to cross or vacate the runway; hence the loss of runway capacity.».

P. 0-6
Considera-se que a partir de 1986-89 o aeroporto não poderá responder bem aos super-picos de passageiros (“super-peaks”). Pior cenário, até, (1982-85) é traçado quanto à procura de lugares de estacionamento de aeronaves.
Isto, quanto ao “lado ar”.

P. 0-7

Quanto ao “lado terra”, o relatório distingue passageiros (já da p. anterior, 0-6) e carga, como é normal.

O terminal internacional de passageiros estaria a funcionar muito perto da sua capacidade máxima. Prevê-se saturação antes de 1985. O terminal doméstico estaria já a operar acima das capacidades em 400 horas por ano.

(Carga: considerações a nosso ver irrelevantes.)

P. 0-8

«Portela Airport as a Total System. In analyzing the separate components of the Airport, it was established that the airfield is the limiting element of the total system at Portela. The present airfield can be expected to reach capacity in 1986, and with maximum improvements, can extend its capacity until 1994.»

Bem, pelo que li antes era capaz de jurar que o problema estava nos terminais. É de fazer pensar qualquer um como é que, não havendo grandes obras nas pistas e acessos desde 1982, data deste estudo, a Portela chegou aos 12 milhões passageiros no séc. XXI – e isto com o tráfego praticamente proibido à noite, coisa que não se verificava na altura!

Os senhores que subscreveram este estudo afirmam depois que, para a Portela se manter operacional depois de 1982, de duas uma: ou nunca se iria além de 8,4 milhões de pax/ano, ou teria de se adquirir terreno para ser construída uma pista paralela à 03/21. Ora nada disso foi feito daí para cá, e a Portela regista os números que regista!

P. 0-9

Não sendo recomendadas nenhumas daquelas soluções (a 1ª porque não é solução, de todo; a segunda porque seria impraticável, dado o alto custo dos terrenos e o difícil realojamento de populações), haveria no entanto melhoramentos a fazer:

- extensão, a todo o comprimento da 03/21, da taxiway (é talvez o maior “fenómeno” da história aeroportuária portuguesa a razão pela qual sucessivas direcções dos aeroportos portugueses se opuseram sistematicamente a esta extensão, ora com o argumento de que era impossível, ora porque era caro, ora porque...)

- saídas rápidas das pistas de aterragem (problema entretanto resolvido. Saídas rápidas são saídas da pista que não são perpendiculares a estas, mas a 45º, possibilitando uma saída a maior velocidade – logo mais rápida – para desimpedir a pista para o avião atrás que tenha de aterrar ou, sobretudo, tenha de descolar.)

- etc.

Da p. 0-10 para a 0-11 discute-se se a Portela deve/pode coexistir com outro aeroporto. Chega-se à conclusão que não, dado que não existirá suficiente tráfego para justificar os custos de operação e manutenção de dois aeroportos.

Isto merece-nos uma severa crítica: é que não se diz que previsão é essa, nem para quanto tempo. Temos de dizer NÃO à engenharia de palpite!
Teríamos sempre de concluir que a AML (área metropolitana de Lisboa) nunca poderia ter dois aeroportos? Nunca? Temos muitas dúvidas...

P. 0-11

New Lisbon International Airport – Site Selection

Indica-se logo a “short list” apurada no final: Ota, Porto Alto, Rio Frio.

Indica-se as categorias de avaliação e aspectos em que incidiu a análise custo-benefício (já p. 0-12).

Transcrevemos esta síntese muito importante, que põe a Ota em 3º lugar:

«Analysis using both the evaluation criteria and the cost benefit analysis resulted in similar conclusions: that the Ota site was the least suitable of the three. Porto Alto and Rio Frio were comparable with neither site having an absolute technical advantage over the other.
However, as Rio Frio was shown to be slightly more beneficial in some aspects, this site was selected for the location of the New Lisbon International Airport.

Mais claro do que isto só a aguinha das Caraíbas.

A seguir dá-se conta do desenvolvimento de um “Master Plann”.
Rio Frio estaria à cota 24, e a área total do sítio tinha 6064 ha. (A Ota tem hoje previstos 1800 ha.)

P. 0-13

Prevê-se que a base aérea a operar no Montijo fosse transferida para o Novo Aeroporto.

O aeroporto teria 4 pistas. (A Ota está limitada para o resto da vida a duas. E limita toda a AML a ter um aeroporto com duas pistas... para o resto da vida, creio...)

Prevê-se a construção do aeroporto em duas fases. Começar-se-ia com uma pista apenas, e dois terminais.
(Estávamos em 1982... e a construção faseada já não era novidade. Era uma boa ideia, adequada à realidade portuguesa, já na altura. Por que não o poderá ser hoje?)


P. 0-14

«Location of the New Lisbon Airport at Rio Frio will create a major growth center on the Setubal Peninsula and act as the prime stimulant for the eventual evolution of the area between the Tagus and Sado Rivers into a major metropolitan area.»

(Fará hoje sentido querer exagerar a macrocefalia de Lisboa, deslocando-lhe o aeroporto 50 Km para Norte, exigindo à população da margem Sul e aos futuros utentes da Linha AV Badajoz-Lisboa acrescidos incómodos?

Não fará mais sentido manter a Portela e pensar num grande aeroporto na margem Sul para atrair toda a Península de Setúbal, Baixo e Alto Alentejo, e Estremadura Espanhola?
Ficam estas inquietações.)


Mais:

P. 0-15

«The long-term urban and economic development potential of the region is excellent when consideration is given space for growth (a major restraint in Lisboa), access to industry in the region, and ground transportation facilities.»

Julgo que estas considerações mantêm a actualidade, senão mesmo mais.

P. 0-18

«As is quite obvious, almost any airport of any size anywhere is technically feasible. It is almost always the economic and financial problems that limit airport development, not the engineering feasibility.»

Tudo na Administração é comparativo, não é? :)

P. 20-21

Esta parte do estudo acaba sintetizando os pontos anteriores.

Parte 2

P. 5-1

“Site selection”

P. 5-3 e 5-4

Foram pensados 12 locais potenciais para o Novo Aeroporto: Santa Cruz, Ota, Azambuja, Alverca, Granja, Portela, Tires (estes na margem Norte), e Porto Alto, Montijo, Rio Frio, Fonte da Telha, Marateca (na margem Sul, estes).

P. 5-5

Foram depois consideradas 10 categorias: topografia, condições climatéricas, disponibilidade de instalações (“availability of utilities”), produção agrícola, condições do solo e das fundações, uso actual e projectado da terra e densidade populacional, restrições ambientais, incluindo reservas e habitats naturais, acessos rodo e ferroviários existentes e futuros, obstruções à aeronavegabilidade, restrições operacionais actuais à navegação aérea e procedimentos operacionais obrigatórios.

O procedimento adoptado foi o seguinte: uma marca negativa (x) assinalaria o facto de o local ter desvantagens ao nível de um dos parâmetros. Uma dupla marca negativa (xx) significaria que a desvantagem era de grande importância, no sentido de tornar o local impróprio para a construção do Novo Aeroporto. (Apesar de se dizer: “...if the factor, by itself, might make the site infeasible for air operations...”, com certeza que se disse mais do que o que se queria dizer! É que neste estudo tanto a Portela como Tires receberam aquela dupla marca negativa, e no entanto encontram-se hoje em funcionamento! O que queria dizer não era certamente “impróprio para operações aéreas”, mas sim para a construção de um novo grande Aeroporto Internacional.) Uma dupla marca negativa poderia ser considerada, no final, como razão para afastar o local de ulteriores considerações.

P. 5-6

Seguem-se comentários sobre os vários locais.

P. 5-7

Nesta página aparece um dado interessante. Não deixa de ser censurável a forma como esta informação aparece pouco nítida (mas suficientemente, nítida, não restam dúvidas) e quase em contradição – quase – com um dado anterior. Num estudo deste gabarito, isto é lamentável.

Diz-se, a propósito de Alverca: «[tendo em conta certas limitações de ordem ambiental...] a different runway design concept was considered for Alverca that would not necessitate infringement into the Natural Preservation Area. However, this design, with minimum separation between runways, would have precluded any possibility for future expansion; therefore, was not considered an acceptable solution».

O dado interessante, dizíamos, está em que se tem em conta a expansibilidade futura do aeroporto. Isto não tinha ainda sido referido, nomeadamente na p. 5-2, onde se diz que se tem em vista apenas um aeroporto com 2 pistas de 3600 m paralelas, separadas por 2000 m, aprox.. Mas não há dúvida: a exclusão de Alverca, pelo motivo apontado, elucida-nos sobre a premência do factor “expansibilidade”.

P. 5-8

Ota é considerado o melhor local dos estudados a Norte do Tejo

P. 5-9

Rio Frio – as únicas desvantagens seriam a proximidade do Campo de Tiro de Alcochete (sabe-se hoje que este Campo de Tiro pode ser deslocalizado sem incómodos para outra área do território continental, como por ex. o distrito de Beja.) e da Base Aérea do Montijo (identificada como “danger area D-10”).

P. 5-10

«Summary – This evaluation showed that the majority of feasible airport sites south of the river are far more desirable than the sites under consideration on the north side of the Tagus. South of the river, the five sites were all considered to have some possible merit as the location for the New Lisboa Airport.»

Quero dizer que não é verdade que nesta época – concretamente, 1982 – não havia preocupações ambientais. Quer-se às vezes fazer crer que todos estes estudos devem ser considerados inúteis porque a problemática central do ambiente não estaria ainda suficientemente desenvolvida.

Ora, a verdade é que as preocupações ambientais perpassam todo o documento, e em profundidade, como de resto é desejável!
Vejamos:


Azambuja: «From an environmental standpoint the location of the site near the river would have an adverse impact on the river, would be detrimental to the exisiting rice production in the area and would be subject to possible flooding.». (P. 5-6 a 5-7.)

Alverca: «A significant shortcoming of the site (double negative) would be that the desired airport facilities would necesitate expansion into the Tagus. The needed land area, and accompanying filling and construction activities, would encroach into and have a detrimental affect [effect] on the Tagus Estuary Natural Preservation Area». (P. 5-7.)

Montijo: «This concept will have a major environmental impact upon the Tagus Estuary Natural Preservation Area, plus impacts on the river’s environs and water quality in general.». (P. 5-9.) Mais abaixo, já no sumário: «Montijo also had what was determined to be an insurmountable negative impact upon the environment.» (ambas as citações da p. 5-10).
Note-se que a análise se refere à implantação de um Aeroporto Internacional no Montijo, e não à actualmente falada abertura ao tráfego comercial com uma só pista e durante um lapso de tempo pré-limitado (cerca de 10 anos, até à abertura do Novo Aeroporto Internacional) e apenas como medida de desafogamento da Portela. Note-se ainda que a partir do momento em que Lisboa estiver ligada ao tráfego ferroviário de alta-velocidade, é expectável que vários “slots” na Portela fiquem livres, prolongando portanto a vida útil destas instalações. O mesmo é dizer: Montijo teria sempre uma densidade de tráfego muito leve.

Rio Frio: «The site is coverede by cork trees, which are protected under a governmental order. However, the removal of these trees will not present a problem and so was not considered a shortcoming to this site.». (P. 5-9.)

Fonte da Telha: «In addition, the site is located within an environmentally sensitive area of pine woods. The pinde trees in the area are also protected by governmental order and it was determined that they would be more difficult to remove than the cork trees.».

Preocupações ambientais, como se pode ver. Talvez não com a profundidade de hoje. Mas, em 25 anos, tudo mudou? Sobre Rio Frio haveria hoje todos os inconvenientes; sobre a Ota, ninguém diz uma palavra! Lá não há ambiente?
E sobre a necessidade de, daqui a 20-30, ter de se construir novo aeroporto – e, portanto, ter de se praticar nova agressão ao Ambiente? Ninguém diz nada? Não há opiniões? Não deve haver estudos? Não se deve ponderar o que é pior: um aeroporto só agora, como o que isso implica em termos de Ambiente, ou dois no futuro? Ou terá de ser a próxima geração a emendar os erros desta, e assim por diante?
Acordai, homens que dormis!...


P. 5-10/5-11

«The only negative negative value received by the sites at Porto Alto and Rio Frio was based upon the impact both sites would have on danger area D-10 [área militar]. On closer examination the problem was considered to be minor in nature, and easily solved with the relocation of the firing range.»

P. 5-11

«The final short listed sites were then:

Site 2 – Ota
Site 8 – Porto Alto
Site 10 – Rio Frio»

(Note-se que não há qualquer ordem na sequenciação dos sítios.)

Fim da análise a este estudo.

2 comentários:

Anónimo disse...

Consta que por detrás dos contra Ota estarah o BES a Sonae e outras figuras conhecidas da praça e que de repente descobriram outro local que anteriormente não teria sido aprovado.
Estranhas motivações e que V.Exa deveria tentar explicar.

Gabriel Órfão Gonçalves disse...

Caro anónimo/a:

Em primeiro lugar quero incentivá-lo/a a não usar o anonimato. Todos temos de ter orgulho público em quem somos, e no anonimato isso perde-se.

Por detrás de mim não está ninguém, nem eu deixava. Dos outros não sei quem está, que isso, enquanto for lícito, não me preocupa.
Mas se o BES e a Sonae estão atrás de movimentos ou de pessoas contra a Ota, só posso regozijar-me. O que eu gostava era de ter também a Mota-Engil, a CIP, a CAP, o Presidente da República, todo o Partido Socialista, e, se não fosse pedir muito, todos os portugueses! Nunca seremos demais para evitar um tão colossal erro! (É minha opinião de que se trata de erro, claro. Respeito opinião diferente.)

Quanto a serem estranhas motivações, sê-lo-ão ou não conforme o critério de cada um para a estranheza, e conforme as motivações de BES, Sonaes, ou outras entidades. Nomeou empresas. Ora, julgo que o objectivo delas é o lucro! Se isto é estranho...

Ah, deixe lá o Exa.! Por quem é!
Quanto a eu tentar explicar as "estranhas motivações", não sou bom a explicar coisas que poucos sabem se existem, poucos sabem onde estão e poucos sabem o que as move. Se fosse bom nisso tinha um consultório de bruxaria. Mas se me mandar indícios de crimes eu mando-os tão rápido quanto possa para a Procuradoria Geral da República. Palavra de honra. Agora perder tempo a explicar motivações que não dão indícios de serem ilícitas, isso não. O Mundo precisa de mim em coisas mais importantes! Já reparou concerteza que nunca falei em teorias da cabala quanto à Ota. Para mim a Ota foi escolhida pela mesma razão por que em Portugal caiu uma ponte e morreram 60 pessoas: cultura da incompetência. É contra isso que gasto o tempo a combater.

Saudações aeronáuticas,

Gabriel Órfão Gonçalves