segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

O que é o lóbi Ota

O "lóbi Ota": como nasceu, cresceu, tentou reproduzir-se, e morreu.

No início da década de 80 discutia-se novamente se se deveria construir um aeroporto para Lisboa, que ou substituisse ou complementasse o aeroporto da Portela.
O Campo de Tiro de Alcochete estava na mira de algumas pessoas encarregadas da investigação.
Alguém tem então uma ideia luminosa: e se se descobrisse um local que, uma vez decidido em aeroporto, viesse a matar a Portela, podendo os terrenos desta ser aproveitados para a especulação imobiliária?

Infelizmente, nem a Fonte da Telha, nem a Marateca, nem o Montijo, nem Santa Cruz, nem Alverca, nem Alcochete, nem Poceirão, nem Faias, nem Pinhal Novo, nem... bem, nem nenhum dos locais até aí estudados tinha a característica de ser operacionalmente incompatível com a Portela.

Mas havia um local de que, até 1982, ninguém se tinha lembrado. E ninguém se tinha lembrado porque toda a gente metida no assunto - especialistas - sabia que essa localização, se tornada aeroporto, obrigaria ao encerramento da Portela, coisa que na época, e ao contrário do que se diz hoje, não era um dado definitivamente decidido. (Tal como hoje, precisamente! Ainda dizem que a História não se repete!...)

Esse local era a base militar da Ota.

E por que razão é a Ota incompatível com a Portela? Porque a pista 03 da Portela converge na Ota; e, reciprocamente, o tráfego que aterre na 21 da Portela sobrevoa a zona Ota. As pistas de um aeroporto estão no enfiamento das do outro. (Se não percebeu procure neste blogue por este assunto.) Da mesma forma, há uma pista do Montijo que não pode operar ao mesmo tempo de certa pista da Portela; mas, como ambos estes aeroportos têm mais do que uma pista, acabam por ter pistas que permitem a compatibilização mútua dos dois aeroportos. (Cf. Relatório ANA 1994, disponível neste blogue).

Ora, visto asim, o lóbi da Ota não está na Ota. Está nos terrenos da Portela.

A Ota é, de todos os sítios até hoje estudados, o único sítio que obriga a fechar a Portela, por incompatibilidade operacional.
Mais nenhum sítio obriga a isso. Se houver dificuldades, serão apenas derivadas da gestão de 2 aeroportos ao mesmo tempo. Serão dificuldades financeiras, não técnicas.

Os terrenos da Ota valem muito?, dirão. Bem, ao pé do que valem os terrenos da Portela, não valem nada.

A Portela são cerca de 600 hectares dentro de uma capital europeia, ou seja, 6.000.000 m quadrados, cada um deles valiosíssimo. Isso em especulação imobiliária dá muito dinheiro. Muito mas muito. E a uma Câmara falida também dava... E aos amigos dos especuladores também. E a assessores. E a consultores. E a partidos políticos. E nestas coisas o bloco central funciona muito bem. Muito bem mesmo... Dois partidos em desacordo, excepto nos fluxos de dinheiro que os alimentam...

Quem desmantelar a Portela liquidará o turismo de Lisboa, com os seus empregos directos e indirectos.
Lisboa é a 9ª cidade mais procurada no Mundo para congressos internacionais. Porque tem um óptimo clima e um aeroporto dentro da cidade.

Sou contra a Ota porque a Ota implica a extinção da Portela. Este facto basta-me para ser contra a Ota.

Há problemas com as bagagens na Portela? Bem, o eng. Mário Lino disse que os aterros na Ota eram "uns aterrozinhos". Não me digam que as malas de viagem causam mais problemas do que "uns aterrozinhos"...

Voltando a 1982: o Campo de Tiro de Alcochete estava na mira, como está hoje. O bloco central reuniu e mandou uma alta patente da "inteligentsia" dizer ao Ministério da Obras Públicas: "aí onde está o Campo de Tiro de Alcochete ponha a Ota".

Agora já sabem.

Isto foi-me contado na Sociedade de Geografia de Lisboa há uns meses por quem esteve por dentro do assunto na altura.

De aí para cá limitei-me a constatar que esta informação, que não tinha razões para ser falsa, bate certo com a realidade. A grande insistência de um Ministro na Ota está não na Ota mas nas suas consequências. Depois de serem investidos milhões e milhões na Portela, vai-se arrasar aquilo? Para quê? Para espremer em euros, claro está.

Fiz hoje 30 anos e estou um pouco farto da cultura de silêncio que se vive neste país.

30 anos a aturar um cultura contra o mérito

30 anos a ouvir dizer : quem é você para ter opinião sobre um assunto que é dos especialistas?

30 anos a ver portugueses que desejam que outros portugueses não pensem pela própria cabeça, e que quem pense e fale em público do que não se deve, seja abatido nas suas relações políticas e sociais

30 anos de limitação constante, subreptícia e kafkiana, dos mais básicos direitos dos cidadãos

30 anos de democracia vivida sob a coacção do poder social dos medíocres

30 anos de financiamento maciço dos partidos políticos pelos patos-bravos que não são capazes de ver que, a continuar assim, os seus filhos e netos viverão num país miserável! Mas eles não querem nada aos filhos e aos netos. Eles querem um cachucho no dedo, um bom automóvel, e uma amante rasca. E serem vistos a fumar charuto, como homenzinhos, ao mesmo tempo que o anel de ouro brilha no mindinho!

As pessoas que defendem hoje publicamente a Ota não pertencem a este lóbi. São pessoas genuinamente interessadas na defesa do Oeste, meus compatriotas com os quais estou em oposição mas que respeito no seu bairrismo. O lóbi da Ota a que me refiro actuou intensivamente na comunicação social até à altura em que se tornou público que o Primeiro-Ministro tinha um acordo tácito com a CIP. Foi nessa altura que o lóbi Ota começou a morrer. Daí para cá quem tem defendido a Ota são uma dúzia de especialistas que teimam em querer ver no Oeste o grande aeroporto de Portugal, e algumas populações da região.

O que muitos como eu têm feito contra a Ota foi no sentido de não deixar que este lóbi voltasse a ganhar fôlego.

O lóbi de quem olha para 600 hectares dentro da cidade e pensa em cifrões, mais nada.

O lóbi para quem triunfar na vida não consiste em ganhar, mas sim em fazer perder os outros. Em destruir o que está feito para dizer que depois foram eles a (re)fazer. Apagam então da História o que eles incendiaram.

NÃO à política da terra queimada!

3 comentários:

Anónimo disse...

De facto a democracia exclusivamente representativa pelos partidos políticos é a principal causa do desenvolvimento sofrível do país (valeu-nos a Europa)...
Vidé o pacto de silêncio relativamente à manchete do semanário Sol da semana passada (Concurso dos Submarinos e o envolvimento directo do ex-ministro da defesa), atenção que nada me move contra Paulo Portas (infelizmente apesar de um ar mais anglo-saxónico é apenas mais um a alimentar-se do poder) até qd?
Necessitamos de um poder judicial democraticamente eleito (tal como nos EUA)para limpar estas estruturas mafioso-partidárias!

Diogo disse...

Excelente artigo, meu caro!

Enviei-o por email a muita gente.

Um abraço.

Aeroporto de Alcochete disse...

A terceira década, os seus trinta anos e a sua coerência, despontam mais uma vez a minha indignação. Eu tinha 14 anos em 1974, mas achei que a política não me dizia respeito, e na verdade, esta política que tem sido feita é deveras diferente de qualquer acção eticamente aceitável para os princípios morais que herdei dos meus progenitores. Em suma, quero dar-lhe os parabéns e congratular-me pela existência de pessoas com este perfil. Eu também já aprendi a falar, em breve poderei até deixar de utlizar exclusivamente as novas tecnologias, e poderei falar com a liberdade que a justiça entenda. Diria, se fosse crente, que esperarei mais algum tempo pela justiça divina, enquanto a dos homens for a dos lobies como esta que tão bem retratou, para aceitar este Estado.
Obrigado